Aos esquecidos de si

Não há como fazer secar o oceano

assim como um dia nublado não é a morte do sol

a inatividade de um vulcão não o fez menos vulcão

aquilo que é selvagem não tem sua existência condicionada

seu livre fenômeno é pura manifestação da vida

não há como domar o vento

ou impedir que as raizes se unam debaixo da terra

os ciclos seguem seu curso natural

guisos por uma inteligência sem mente

a contemplação é a mais sábia compreensão

o caos é ordenado aos olhos treinados

o fim tem sempre continuação

a chave é esperar

saber farejar e silenciar

pois os e ouvidos treinados escutam a música que sempre se repete

o que destoa é a mensagem

que desvela o invisível.

Aos sentidos treinados, tudo é misterio

e mistério é liberdade.

Posso ser calma e cristalina 

Profunda e doce como um mergulho num rio caudaloso num dia de sol 

E também sou a correnteza que tudo leva e nada se apega numa noite de tempestade

Posso ser a leveza da brisa fresca 

E também sou o olho do furacão 

Sou brasa incandescente que ilumina e aquece 

E também fogo consumidor, que queima e transmuta.

Sou a terra que acolhe e faz brotar, revigora e fortalece 

Mas também como a terra, posso ser movediça ou seca, árida e estéril.

Cada vez busco mais o equilíbrio 

Nem tanto à sombra, nem tanto à luz

Longe do controle, da colonização e das expectativas externas 

Mais próximo do selvagem e imprevisível 

Dos caminhos do coração e da comunhão.

10/01/2023

@lobalquimista

Iberê Aruã

Meu Rio que se arrasta manso flui por entre o portal sagrado dentro de mim

Me conduzindo por caminhos desconhecidos de mim mesma, transformando e chacoalhando

teu fogo já arde e me faz perceber a força de uma leoa que me habita e que de tudo pode fazer pra te proteger, cuidar e amar

filho, não há palavras que expliquem o que eu já sinto muito antes de te conhecer, antes mesmo dos sonhos e visoes, antes do caminho que percorro até te dar à luz

quantas turbulências já passei e você permanece forte e sereno, me passando tranquilidade em meio ao caos e caos em meio a tranquilidade

que loucura é cada sonho, sensação, a intuição ainda mais aguçada e tudo ainda mais intenso. Estar entre dois mundos e ser ponte, veículo, partilhar a casa com outro ser…

Entrelinha

há, talvez pra sempre – uma entrelinha
nunca esquecida e que vem à tona
nos momentos menos propícios
uma memória persistente
uma questão perene
que mudaria tudo como é
mas não foi, por desencontros e acasos
distrações e descasos
as ondas levaram mas o vento
esse sempre traz o cheiro
o gosto e teu rosto
ainda que aos poucos eu me esqueça
e o rumo que a vida leva
pra tão longe que nem vale a pena
retornar ao que faltou coragem,
demorou demais

Há, contudo,
novos cumes a subir e vales a descobrir
mas tal qual minha queda pelo mar
viajo os pensamentos com o vento e navego
me perco por instantes
mas logo retomo o fôlego
volto à superfície

desaprendi a mergulhar
acho que temo não conseguir voltar

Os vales e montanhas
Cachoeiras e o doce rio que varre a melancolia
O vento que sopra idéias e leva os sonhos
Para que se realizem no tempo certo

A beleza do céu estrelado e lua que se esconde
Para com toda força brilhar
Recolhimento certeiro
Potencial elevado

Repouso que leva a ação
Silenciar e ouvir o coração
Batida que se funde ao ritmo da terra

Es o micro do macro que te rodeia

Sinta!
Flua e deixe fluir
Desapegar da necessidade de fazer algo
Tudo já está sendo feito!
É preciso observar e interagir

Fazer o que a vida espera de nós
E então ela nos dá mais do que podemos esperar
Tudo que podemos pensar já foi pensado
Tudo que podemos falar, já foi dito
Humildade.

Se reconhecer infinito nessa porção de gente
Feitos de barro e pó, matéria é casa do espírito
Fogo que habita dentro
Fluido divino que corre pelas veias
Imensidão que se faz pequenez
Um minuto de atenção já basta para perceber
que de tudo, basta somente ser.

Vida morte vida

Lidar com a morte me faz mais forte

Quantas mortes de mim mesma eu presenciei?

Ao contrário do que diz a visão ocidental, a morte é um processo longo
Dentro dele existe o pré – morte, o período em que algo está morrendo, até realmente findar-se
E o pós-morte, renascimento.

Em mim, vejo os ciclos em círculos

Morrendo e renascendo

Sendo mortos no ato, nato em outras orbes
Reciclando e também rompendo com padrões de outrora

Ainda que com sorriso no rosto, com esperança no peito, ainda assim eu morro

E as vezes é uma morte bem doída, como a dor de um parto – parir versões de si mesma

Melancólica por vezes, um alívio em outras.

É bom deixar o que está morrendo morrer, ainda que haja apego, ainda que pareça que a dor não vai passar. Passa.

E quando algo nasce, já está morrendo.

A morte nada mais é do que a própria natureza da vida.

Anseio a liberdade da solidão
Caminhar a esmo com os pés no chão
Firmeza no caminhar e no olhar
O medo que me apresentaram não me interessa mais
Rego a esperança e a inocência
Respiro e vejo em mim a consciência

Não está fora, em estimulantes ou calmantes
Está na respiração pausada, em saber ficar calada
Enquanto muitos falam sem ter nada a dizer
Vendo o tempo passar e se afundando no que o externo tem a oferecer

Refuto a fé cega em prisões mentais
Jogo fora cadeados do coração e da razão
Abro caminhos e construo pontes na imensidão

Não há como fugir do todo-infinito-eterno
Mergulho na vasta profundidade da alma
Que não tolera a falsidade e mesquinhez do ego

Não há encaixe pro que é inteiro
Aceito a perfeição de ser quem eu sou
Sem comparação ou buscas, reside em meu interior tudo que posso um dia encontrar

Somos manifestação da consciência individualizada
Níveis elevados trazem clareza maior
Onde se percebe o todo com suas particularidades e nuances coletivas
Comunidades, coisas em comum da humanidade
Não universal, observacional
Ciclos em círculos
Leis espirituais que regem e podem ser sentidas
Observadas, ainda que não respeitadas
Ainda que desconhecidas
Ainda que não reconhecidas
No ser, no agir e no trocar
É preciso aprender a ouvir e silenciar
Transmitir a quem estiver pronto a escutar
Pois somos canais da verdade que se desenha por palavras
Que apenas indicam algo, não são esse algo
A interpretação pode nos levar mais perto ou mais longe
É preciso disposição para alcançar atravessar o véu da separação
ilusão do estar, distante do Ser.

Mulher ensolarada

mulher ensolarada
d’alma prateada
trovejante doçura
tempestiva candura
Ama, te eleva e te cura

banhada pela lua cheia
plena de luz, incendeia
reluz radiante raio de beleza
sê tu, brisa repleta de leveza

bálsamo da vida te transborda
sopro divino te guia e acorda
os sentidos, os caminhos, as memórias
dança tua dor, flui por onde for
aprende: dentro, todas as tuas jóias

em ti, todo o paraíso, todo o precipício
mergulhar é encontrar uma linda fonte
do infinito Amor que é fim e inicio
olhe dentro e verás além do horizonte
o eterno começa a cada novo ciclo

sente teu ritmo, voa com o vendaval
ainda que um silencioso temporal
ainda que poderosa brisa suave
em ti, a liberdade do vôo das aves
do sol das manhãs e das estrelas

Imersão na fluida trajetória
Que consiste em caminhar
Sem se preocupar em chegar
Não há ponto final
Nem partida

O caminhante
O caminho
Caminhar
É o destino

Abrigo da beleza eterna
Relembrança da pureza interna

Portal externo do paraíso
Acessado pelo coração
Expressado num leve sorriso
Indescritível conexão

Alma alimentada pelo vento
Voando com os pássaros
Sublimes cântaros
Divino contentamento.